sábado, 25 de dezembro de 2010

Nietzsche

 No  cristianismo,  nem  a  moral  nem a religião têm qualquer  ponto de contato com a realidade. São oferecidas causas puramente imaginárias (“Deus”, “alma”, “eu”, “espírito”, “livre arbítrio” — ou mesmo  o “não-livre”) e  efeitos puramente imaginários (“pecado”, “salvação”, “graça”, “punição”, “remissão dos  pecados”). Um intercurso entre  seres imaginários (“Deus”, “espíritos”,  “almas”); uma  história natural imaginária (antropocêntrica; uma negação total do conceito de causas naturais); uma psicologia imaginária (mal-entendidos sobre si, interpretações equivocadas de sentimentos gerais agradáveis ou desagradáveis, por exemplo, os estados do nervus sympathicus com a ajuda da linguagem simbólica da idiossincrasia moral-religiosa — “arrependimento”, “peso na consciência”, “tentação do demônio”, “a presença de Deus”); uma teleologia imaginária (o “reino de Deus”, “o juízo final”,  a “vida eterna”). — Esse  mundo puramente  fictício, com muita desvantagem, se distingue do mundo dos sonhos; o último ao menos reflete a realidade, enquanto aquele falsifica, desvaloriza e nega a realidade. Após o conceito de “natureza” ter sido usado como oposto ao conceito de “Deus”, a palavra “natural” forçosamente tomou o significado de “abominável” — todo esse mundo fictício tem sua origem no ódio contra o natural (— a realidade! —), é evidência de um  profundo mal-estar com a efetividade... Isso explica tudo. Quem tem motivos para fugir da realidade? Quem sofre com ela. Mas sofrer com a realidade significa uma existência  malograda... A preponderância do sofrimento sobre o prazer é a causa dessa moral e religião fictícias: mas tal preponderância, no entanto, também fornece a fórmula para a décadence... 

(O Anticristo - XV)

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